BEBÊ REBORN - O QUE O CUIDADO REVELA ALÉM DO QUE SE VÊ? | ANÁLISE SISTÊMICA - LEIDIANE MELLF
- Leidiane Mellf

- 12 de jun.
- 4 min de leitura

Você já deve ter visto: mulheres adultas cuidando de bonecas como se fossem filhos de verdade. Dando nome, roupa, comida. Levando ao pediatra. Cantando para dormir. Amando o que, na essência, nunca foi vivo.
Por trás desse cuidado extremo, quase mágico, existe uma dor profunda e silenciosa. Não se trata apenas de um “gosto por bonecas”, nem de um “carinho exagerado”, e muito menos de loucura. É, antes de tudo, um vazio que pulsa no peito — uma carência emocional que não foi acolhida. É um trauma não resolvido, um útero que nunca encontrou espaço para se expressar em sua verdade mais genuína. É um feminino marcado por tantas dores e perdas que acabou se desligando do mundo real, buscando refúgio em algo que não pode ferir, que não abandona, que não decepciona, e que, infelizmente, também não tem vida.
Essas mulheres, na grande maioria, carregam um coração ferido que tenta se reconstruir. Tentam reparar um espaço vazio deixado por crianças (suas ou de suas ancestrais) que nunca chegaram a nascer, que foram invisibilizadas ou cujos lutos foram negados: abortos espontâneos ou provocados, filhos que partiram cedo demais e irmãos esquecidos. Crianças que desapareceram da memória familiar mas que permanecem vivas no campo energético e sistêmico da família.
E, muitas vezes, sem consciência, uma mulher hoje pode estar assumindo esse lugar não visto, tentando dar voz, cuidado e presença a essas vidas que ficaram "suspensas", ainda que seja através do vínculo com uma boneca.
Muitas vezes, essa dor também tem origem na experiência de serem filhas de mães que não puderam ou não souberam nutrir, que não ofereceram o colo, o cuidado ou o amor necessário para que a sua criança interior se sentisse segura e inteira.
🔎Quando falo em “nutrição” na infância, não me refiro apenas à comida, mas ao cuidado essencial que começa ainda no plano espiritual e se estende na gestação: O SIM verdadeiro àquele ser que irá chegar, o afeto genuíno, a presença constante, o colo acolhedor e a proteção emocional que sustentam o desenvolvimento da criança em todas as suas dimensões.
Há mulheres que, apesar de nunca terem passado fome de comida ou falta de oportunidades, cresceram com uma fome invisível: a de amor, de atenção, e de escuta verdadeira. Foram filhas que aprenderam a ser boas demais para não perder o pouco afeto que recebiam. Que precisaram amadurecer cedo, cuidar da mãe, dos irmãos, da casa — antes mesmo de serem cuidadas como filhas. E hoje, já adultas, muitas delas ainda carregam dentro de si essa menina ferida… e, sem perceber, tentam curá-la como podem. Tentam dar a ela, agora, o que nunca receberam no tempo certo.
Ao cuidar de uma boneca como se fosse um bebê de verdade, muitas mulheres estão, na realidade, tentando oferecer a elas mesmas tudo aquilo que lhes faltou — aquilo que não receberam ou que, por alguma razão, sentiram como uma ausência profunda. É uma tentativa de amar, proteger e acolher… a si mesmas, curando feridas antigas através desse gesto de cuidado simbólico.
Ao mesmo tempo, esse gesto revela uma desconexão profunda com a realidade da vida — porque amar algo que não é vivo parece mais seguro e menos vulnerável. É um refúgio onde o risco de sofrer, de se desapegar ou de ser ferida, é minimizado. Amar o que é inanimado, mesmo que ilusório, evita o confronto com as dores reais e os vínculos que podem ferir o coração.
A boneca é só o reflexo. Não é sobre o que está nos braços, mas sobre o que faltou no coração antes disso — as necessidades não atendidas na infância, as ausências e feridas na relação com a mãe, as histórias não reconhecidas na linha ancestral... São dores invisíveis, sentimentos não acolhidos, e experiências que não foram compreendidas nem integradas. E que agora ressurgem, silenciosas e poderosas, numa tentativa inconsciente de recuperar o controle sobre a dor que ficou guardada por tanto tempo.
Apesar das histórias serem diferentes, existe um ponto em comum entre todas essas mulheres: em algum momento, elas se desconectaram de si mesmas. Não só do seu feminino — mas da sua alma, da sua consciência mais profunda, do centro silencioso que tudo percebe e sente. Foram arrancadas da própria verdade para caber em papéis que não escolhiam, apenas repetiam. Aprenderam a sobreviver sendo fortes demais, cuidadoras demais, presentes para todos, menos para si. E essa desconexão — invisível, mas dilacerante — acaba se expressando em comportamentos que o mundo julga como estranhos, mas que, na verdade, são tentativas comoventes de voltar para casa. Para dentro. Para a essência que nunca deixou de chamá-las.
Estas mulheres precisam de um espaço seguro onde possam finalmente dar voz ao luto que ficou calado, onde possam derramar as lágrimas guardadas e resgatar sua própria história com toda a sua complexidade. É preciso permitir que a ilusão se dissolva, para que, com coragem, possam reencontrar a conexão com a vida real — imperfeita, intensa, e verdadeira.
É preciso muita coragem para ir além do que os olhos veem e, com amor e compaixão, fazer perguntas que só a Alma sabe responder:
🌿 “O que essa mulher está tentando curar dentro de si?”
🌿 “Que laço rompido dilacerou seu coração?”
🌿 “Que amor não vivido em carne e osso agora busca vida em um corpo de plástico?”
A cura não está em simplesmente tirar a boneca dos seus braços. A verdadeira cura acontece quando a ajudamos a enxergar o que ela realmente carrega ali — muito além do objeto. Porque o que ela quer proteger não é o bebê de plástico, mas a ferida aberta e silenciosa que esse bebê simboliza.
E só quando essa ferida for acolhida com consciência, ela poderá, enfim, soltar o que é de mentira e voltar a viver o que é de verdade.
Com carinho,
Leidiane Mellf







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