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Pais difíceis não deixam de ser nossos pais – Constelação Familiar e Sistêmica


Sempre me deparo, durante o trabalho com as Constelações e na Consultoria Sistêmica, com dores muito profundas em relação aos pais e à origem familiar.


Ao ser convidada para escrever este post me conectei com estes pais e suas histórias. Quero falar sobre aqueles que são mais “difíceis” de serem aceitos por nós e que talvez tenham sido as crianças que mais sofreram na história da nossa família.


Normalmente, as pessoas mais difíceis trazem em si vivências dolorosas. Muitas tomaram para si, “missões e tarefas” a serviço do sistema familiar.


Alguém que carregava um medo tão profundo ou uma lealdade tão grande  que não permitiu que ele próprio lidasse com sua vida e aquilo que lhe caberia.


Os pais mais difíceis são aqueles que na infância foram mais frágeis, aqueles que tiveram mais medo, aqueles que se sentiram mais perdidos. Muitos foram embora e não tiveram força e coragem suficiente para cuidar e amar os seus filhos.


Talvez você que me lê agora possa ser um fruto de um sistema com pais difíceis. Talvez seus pais o tenham sido. Talvez, de vez em quando, você mesmo se veja num lugar assim em relação aos seus filhos. 


O que vem de nossos pais


Costumo escrever bastante sobre isso e muitas vezes recebo mensagens de filhos muito bravos com seus pais. E ficam bravos comigo. Em geral, eles vêm cheios de acusações e cheios de julgamentos. E quanto mais recados destes recebo, mais respeito no meu coração eu reservo para estes pais e estas mães, mesmo que eu não conheça suas histórias.


Como costuma dizer Hellinger: “o que eles deram foi suficiente” é uma frase que sempre ecoa dentro de mim! Sim, é preciso olhar para o essencial: a vida que foi dada aos filhos.

Todo o resto que nós achamos que faltou pode ser conquistado e feito por nós mesmos. Nós somos dotados de infinitos recursos que ganhamos. Adivinha de quem? Deles! Muito do que somos, recebemos de todos os que vieram antes de nós no sistema ao qual pertencemos, inclusive e principalmente de nossos pais, independente de como eles tenham sido.


É claro que, em relação ao afeto, essa é uma situação muito difícil e que exige muito de nós. E é assim justamente porque desejamos nossos pais e nos ressentimos de não ter podido tê-los, pelo menos não do jeito que gostaríamos.


Esses casos nos quais acontece algum processo difícil da mãe ou do pai em relação ao filho são bem complexos.


O que a Constelação Familiar e os estudos de Bert Hellinger têm nos mostrado é que isto normalmente têm ligação com uma história familiar acontecida em uma geração anterior, que tira dos pais a disponibilidade para seus filhos. Pode ser um abandono ou rejeição que se repete na história da família.


Sim, esses pais já foram filhos e estiveram eles também submetidos ao histórico familiar.


Quando temos um olhar a partir das Constelações Familiares, os temas que provêm das queixas de filhos com dificuldades com seus pais têm sua origem em gerações anteriores, devido à repetição do movimento no sistema. 


O que isso significa? Que somos frutos de um sistema de pessoas chamado família. E que há uma lealdade invisível que une todos em um forte vínculo. É essa lealdade e esse vínculo que faz certos acontecimentos se repetirem dentro do sistema familiar.


Pais difíceis: um homem e uma mulher comum


Hellinger, o filósofo criador das Constelações Familiares, nos fala de uma mãe que é uma mulher bem normal e de um pai que também é um homem bem comum. Cada um com suas falhas e dificuldades e, olhando-os dessa forma, nos convida a amá-los assim, com tudo aquilo que é difícil para nós e que foi difícil para eles.


O trabalho de Bert nos mostra o que acontece conosco quando só temos julgamentos e acusações a nossos pais: nós experienciamos dificuldades na nossa vida e na nossa saúde.


E, assim, Hellinger nos convida a ver o que acontece conosco quando dizemos sim a eles e aceitamos o jeito que eles conseguiram ser e viver. É preciso olhar para tudo o que faz parte da história da vida deles. Nesse lugar, podemos experimentar o fluir do maravilhoso sentimento do pertencimento.


Em um dos meus posts sobre as mães, um comentário chamou a minha atenção. Uma de nossas leitoras comentou que não conseguia aceitar e concordar com seu pais como foram. 


Hoje, eu resgato a resposta que ofereci a ela e que tem relação com o tema deste texto.


“Cada caso é tão especial e tão particular, único como nós. Qualquer coisa que eu diga sobre você será irresponsabilidade minha, pois, não há como saber o que atuava no coração de sua mãe, quanto sofrimento talvez ela tenha passado, tantas lágrimas talvez não choradas, como foi a vida para ela, quantos desafios ela tenha enfrentado.

O que posso dizer é que tudo que acontece tem um sentido e as pessoas sempre agem motivadas por algo, por movimentos que às vezes são inconscientes, reproduzindo padrões de antepassados… Enfim, há tantas coisas.

Talvez, se um dia você tiver oportunidade, experimente olhar bem nos olhos de seus pais e de forma muito respeitosa se aproxime do coração deles; talvez você possa perceber a dor que eles também carregam.”


Olhar para os pais sem expectativas


Esse passo, tão praticado no contexto das Constelações Familiares, é um dos mais desafiadores para os filhos: olhar para os pais e ser grato pelas muitas pequenas coisas que recebemos durante a vida,  que nos permitiram sobreviver e ter uma chance de seguir adiante.


Podemos até ir mais além: ainda que tenham vivido suas dores como filhos, esses pais foram corajosos o suficiente para seguir adiante e permitir que a vida fluísse a partir deles. A vida só pode ser passada adiante por um profundo sim interno.


Enquanto filhos, há algo que atua em nosso relacionamento com nossos pais, principalmente quando somos mais jovens. Olhamos para eles de forma bastante egoísta como se o papel deles fosse suprir tudo que desejamos.


Eles são nosso primeiro acesso às emoções, ao prazer do afeto e da atenção, ao amor, ao carinho e também às frustrações. Também são eles que nos dão acesso à dor, à insatisfação e à frustração.


Pais: para além do que foi difícil


Também recebi um e-mail perguntando-me: “E quando a mãe é uma pessoa maldosa e que te renegou a vida inteira?”


Esses casos são realmente muito dolorosos e com certeza marcam a nossa existência. Nós olhamos para esses pais que não foram capazes de amar como pessoas que um dia foram crianças e que passaram por momentos de grande dor e dificuldade.


Mesmo com as dores, não muda o fato de que eles são seus pais. E quanto antes você encontrar um meio de aceitar isto, antes você se liberará para a vida e para o que ela guarda para você. É nosso vínculo com eles o nosso mais importante contato com a vida. Se de alguma forma rompemos com eles, estamos, num nível profundo, rompendo com a nossa própria vida. Isso não significa que não percebemos o que houve de difícil. Mas nós, como filhos, os honramos quando deixamos com eles todas as consequências sobre aquilo que eles foram.


Dessa forma nós nos liberamos para tudo aquilo que a vida tem para nós.


Quando podemos olhar para esses pais a partir de um lugar diferente, podemos tomar a força que vem deles e, apesar de eles não terem conseguido construir vínculos de afeto, nós podemos nos liberar para fazer diferente deles com as pessoas que amamos.


Liberar a nós e a nossos pais


E o que significa deixar com eles as consequências sobre aquilo que eles foram?


Significa abrir mão de julgá-los e de acusá-los. Significa lembrar que eles, assim como nós, são pessoas humanas e imperfeitas, pessoas que fazem parte de um contexto muito maior. Que também são filhos, netos, bisnetos de alguém e que também passaram por muitas dores.


Deixar com eles a responsabilidade sobre as escolhas deles é um grande respeito e, dessa forma, podemos talvez nos autorizar a fazer diferente deles. Talvez.

Lembrei de um texto de Hellinger sobre isso:


“Muitos que reclamam dos seus pais olham para questões secundárias e não para o essencial. Assim perdem o essencial. Em todas as situações onde alguém critica seus pais está diminuindo o essencial dentro de si.

Fica mais estreito, menor, limitado. Quanto mais o fizer, mais limitado fica. Ao contrário, se alguém olha para o essencial e toma a vida em sua plenitude e pelo preço total que custou aos seus pais e que lhe custa, essa pessoa pode enfrentar todas as situações.”  Bert Hellinger


Sim, é isso mesmo: enquanto nós temos reivindicações e julgamentos aos nossos pais, nós podemos ficar impedidos de chegar ao nosso sucesso.


Ter coragem para olhar


Ao estudar a transmissão de traumas, crenças e vivências difíceis, cada vez mais percebo quão grande é nossa necessidade de pertencimento à família a que estamos ligados e como tomamos para nós as dores, fracassos e dificuldades daqueles que vieram antes de nós.


Quando percebo isso, é inevitável me sentir cada vez mais responsável para viver bem a minha vida, enfrentar meus medos e dificuldades, pois, a tendência, se eu não o fizer, é que meus filhos, netos ou sobrinhos, por fidelidade inconsciente, tentem completar a obra que eu deixar inacabada.


Há algo de muito valioso na experiência com pais difíceis: eles permitem olhar a dinâmica da vida de um lugar incomum, embora em um primeiro momento só seja possível sentir a dor. Mas há o caminho da descoberta de pais que, mesmo em seus mais difíceis momentos, não deixaram de ser pais, por mais que suas decisões tenham sido muito difíceis para nós.


Se você estiver com o coração aberto e for capaz de desistir de exigir pais diferentes; se for capaz de abrir mão de uma “vingança” contra eles, sei que encontrará algo muito valioso para seguir adiante.


Quando nos abrimos para essa possibilidade, o caminho a nossa frente será longo. Nossas dores não se curam de uma hora para outra, mas elas entrarão num processo de “cicatrização”.


Como uma ferida, essa dor levará tempo para fechar. Se formos capaz de aceitar a realidade, da forma como se mostrou em nossa vida, esses machucados encontrarão espaço para a cura.


Sim, Isso é possível.


Leva tempo e esforço, mas é possível. E, no final, você vai descobrir que tem sim um pai e uma mãe. No entanto, perceberá que esse pertencimento existe da maneira como foi possível para eles e com todas as dificuldades que eles tiveram que enfrentar.



Fonte: material de propriedade do Instituto Ipê Roxo – disponível em http://www.institutoiperoxo.com.br | Curadoria de conteúdo realizada por Ana Cht Garlet, professora do Instituto.

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